Artigo de Albano Schmidt
Tenho acompanhado com grande interesse, durante décadas e em vários momentos, o Projeto de Transposição do Rio São Francisco. Lembro-me de que, ainda estudante, quando a Codevasf – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – iniciou suas atividades em 1974, fui visitar a região e fiquei impressionado com os investimentos feitos para proporcionar o desenvolvimento tecnológico agrícola local e atrair empresas da cadeia produtiva do agronegócio.
Já naquela época, foram gastos milhões em canais de irrigação e outras obras de infraestrutura. E houve um investimento muito forte em programas de incentivo para quem quisesse empreender na região. Fiquei impressionado com o potencial de desenvolvimento que aquelas obras significavam.
No entanto, ao retornar ao Vale do São Francisco uma década depois, o desenvolvimento já não estava mais na velocidade esperada e, em 1995, tudo estava em completo abandono. A infraestrutura estava depreciada e empresas haviam falido – muitas que se aproveitaram de incentivos e benesses públicos, sem realmente um interesse em se consolidar na região.
Mas nessa mesma época também começou um movimento novo, de uma migração muito grande de produtores rurais de todo o país, principalmente do Sul, procurando novas fronteiras agrícolas, fugindo da crise de 1996. Com essa cultura de ir atrás, não de benefícios, mas de uma oportunidade de recomeçar uma nova vida, um novo negócio é o que realmente transformou a região do Vale do São Francisco.
Esses agricultores buscaram tecnologia junto à Embrapa e no exterior, com cepas apropriadas de uvas e outras frutas resistentes ao clima e desenvolveram novas variedades, permitindo colheitas o ano inteiro. Foram estes empreendedores, diante de todas as adversidades, que fizeram com que o Vale do São Francisco se transformasse no que é hoje: um dos grandes produtores de frutas do Brasil e um exemplo de desenvolvimento socioeconômico.
Faço essa retrospectiva depois de ler o artigo “A transposição do São Francisco ameaçada”, do professor da UFRJ Jerson Kelman, publicado recentemente no Valor Econômico. A obra de transposição do São Francisco para levar água ao sertão foi discutida durante décadas. Finalmente, em 2003, por meio do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional – PISF -, ela foi iniciada. Se foi uma decisão meramente política, não vem ao caso agora. O fato é que investiram em uma obra gigantesca e complexa de canais de transferência de água, aquedutos, reservatórios.
O Brasil, nós todos, investimos nesta obra e ela precisa ser não apenas concluída na sua totalidade, mas também gerida de forma eficiente. Não podemos deixar cair no esquecimento, como a Transamazônica e tantas outras obras faraônicas país afora que sangraram os cofres públicos e nunca foram concluídas. É uma obra que vai melhorar a vida de cerca de 12 milhões de brasileiros que vivem no interior do Nordeste, seco, sem água, sem infraestrutura, abastecendo 390 municípios dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. É uma obra que muda a realidade de milhões de brasileiros que têm que andar quilômetros para ter acesso a uma pequena quantidade de água. Uma vergonha nacional.
Não podemos aceitar que isso caia no esquecimento. Foi muito dinheiro investido. Falta pouco, mas falta vontade política. Neste momento é um investimento que ainda não se paga, mas é preciso mudar a forma jurídica de exploração, tirar das mãos do Estado e transferir para a iniciativa privada, com o Governo Federal sendo o fiscalizador e regulador. Com isso, certamente novas indústrias, novas frentes de desenvolvimento serão atraídas para a região. Com o sol brilhando o ano todo, com a tecnologia agrícola que o Brasil possui, o Vale do São Francisco pode ser o grande celeiro do mundo.
É um chamamento para governo e sociedade. Precisamos fazer a transposição das águas do São Francisco dar certo, fazer isso acontecer, enquanto as obras já feitas estão em condições de ser operadas. O futuro do desenvolvimento do Vale do São Francisco depende disso.
*Albano Schmidt/Termotécnica Ltda/Dacolheita Embalagens – Empresário do setor de embalagens, investiu em uma unidade da Termotécnica em Petrolina (PE) há 10 anos para atender os produtores de frutas do Vale do São Francisco com a marca DaColheita.